As prefeituras de Salvador e Fortaleza gastaram R$ 640 mil para contratar Margareth Menezes, cantora e atual ministra da Cultura do governo Lula, no Carnaval de 2025. A informação foi publicada nesta sexta-feira, 14, pelo portal Metrópoles. O valor recebido das duas cidades corresponde a mais de um ano de salário bruto da ministra.
Entre 27 de fevereiro e 3 de março, Margareth fez sete shows nas duas capitais. Três deles foram financiados pelas prefeituras, três receberam apoio do governo baiano e um foi privado. Tanto a gestão do governador Jerônimo Rodrigues (PT-BA) quanto a assessoria da artista se recusaram a divulgar os valores envolvidos nesses contratos.
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O uso de verba pública estadual e municipal para a contratação da ministra da Cultura vai contra uma decisão da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP) de março de 2023, que determinou que Margareth Menezes deveria “se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de Poder”.
No entanto, a CEP, atualmente composta de seis conselheiros indicados por Luiz Inácio Lula da Silva, alterou seu entendimento. O órgão, que tem sete conselheiros no total, agora autoriza shows financiados com verbas públicas de Estados e municípios, desde que não envolvam incentivos federais à cultura.
Os contratos foram fechados por meio da Pedra do Mar Produções Artísticas Ltda., que detém a exclusividade de Margareth. Ela foi sócia da companhia até agosto, quando transferiu suas cotas, em um total de R$ 5 mil, para a empresária Jaqueline Matos de Azevedo, que agora gerencia sua carreira.
As contratações foram feitas por inexigibilidade, ou seja, sem licitação, algo comum em eventos públicos que envolvam artistas.
Governos e assessoria de Margareth Menezes não divulgaram contratos
A Prefeitura de Salvador, por meio da Empresa Salvador Turismo (Saltur), pagou R$ 290 mil para contratar Margareth, de acordo com um documento obtido pelo portal Metrópoles. Ela se apresentou em dois eventos promovidos pelo município.
O primeiro deles foi em 27 de fevereiro, na Abertura do Carnaval de Salvador. O outro foi no domingo de Carnaval, em 2 de março, quando se apresentou no Trio Pipoca.
Ela também fez outras apresentações em Salvador, como no Bloco Os Mascarados, no Trio da Cultura e no Show do Oscar do Carna Pelô. Nos três eventos, há referências de apoio financeiro do governo da Bahia, embora os valores não tenham sido divulgados nem pelo Executivo estadual nem pela assessoria da cantora.
Margareth encerrou sua turnê de Carnaval em Fortaleza, onde a prefeitura contratou a artista por R$ 350 mil para um show em 4 de março. Do valor total, R$ 150 mil foram pagos como cachê para a ministra, conforme orçamento enviado à Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor).
Outros R$ 34,1 mil foram destinados à empresária da cantora, R$ 33,3 mil à equipe técnica e a cachês de músicos, R$ 80 mil a passagens, hospedagens e alimentação e R$ 52,5 mil a impostos, segundo o Metrópoles.
Comissão de Ética muda de opinião para favorecer ministra
Um mês antes do Carnaval, Margareth procurou a Comissão de Ética Pública para esclarecer se poderia receber recursos públicos de Estados e municípios. A CEP contrariou sua decisão de março de 2023, quando analisou outro pedido de esclarecimentos da ministra de Lula, e concluiu que ela pode fazer shows com dinheiro público, desde que não haja envolvimento de recursos federais de incentivo à cultura.
A CEP atualmente é presidida por Manoel Caetano Ferreira Filho, ex-advogado de Lula. Logo no início do governo, o petista destituiu, em ato sem precedentes, três membros do órgão que tinham mandato até 2025 e haviam sido indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
O presidente do órgão colegiado defendeu não haver conflito de interesses, pois a ministra não tem influência direta na destinação de recursos públicos. Em fevereiro deste ano, a comissão reafirmou que Margareth poderia receber pagamentos desde que não houvesse interferência na administração do Ministério da Cultura.
“Deve-se diferenciar a mera relação contratual entre artista e ente público da caracterização de conflito de interesses”, escreveu Ferreira Filho, em despacho proferido em fevereiro. “Para que este último ocorra, seria necessário que o evento ou entidade contratante estivesse subordinado a alguma decisão administrativa do Ministério da Cultura, ou que houvesse alguma relação de influência decisória da ministra sobre o ente contratante, o que não se verifica nesse caso.”
Ele concluiu que, desde que não haja nenhuma influência da ministra na destinação de recursos públicos estaduais ou municipais em favor de sua contratação, “não há configuração de conflito de interesses”.
Logo depois de assumir o cargo, em 2023, Margareth consultou a comissão sobre a possibilidade de fazer shows pagos com dinheiro público de contratos fechados antes de sua posse.
Na ocasião, o conselheiro João Henrique Nascimento de Freitas, indicado por Bolsonaro, concluiu que um ministro que cuida de verbas para um setor não pode ser beneficiado pessoalmente por esses recursos. A decisão foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
“Destaque-se, também, que a consulente deve se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de Poder, inclusive aqueles recursos oriundos das leis de incentivo à cultura”, escreveu o relator.
A Comissão de Ética Pública, questionada pelo Metrópoles, não esclareceu o que motivou a mudança de entendimento.
Em janeiro, a ministra pediu férias a Lula, para fazer suas apresentações de Carnaval. O presidente concedeu dois dias de descanso, em 27 e 28 de fevereiro, com a ampliação das férias para começar em 24 de fevereiro, em acordo com a orientação da Comissão de Ética, que determina que shows não podem ser realizados durante o horário de trabalho.
O ato foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) ainda em 6 de janeiro. Quase um mês depois, um novo despacho presidencial é publicado com ampliação das férias da ministra, com início no dia 24 de fevereiro, ou seja, na segunda-feira que antecedeu o feriado.
Assessoria da ministra e governo da Bahia prestam esclarecimentos
Procurada, a assessoria da cantora enviou a seguinte nota ao Metrópoles:
“Cumpre explicar que a artista está autorizada pela Comissão de Ética da Presidência da República a realizar, dentre outros, shows para empresas privadas, municípios e estados da federação, deste que tais contratações não envolvam recursos públicos federais.
Durante o carnaval, Margareth exerceu sua profissão de cantora fora do horário de trabalho, garantindo que suas apresentações não interferissem nas responsabilidades do seu cargo, seguindo todos os preceitos legais. Os valores são públicos e dizem respeito ao cachê da artista e custos de hospedagem e deslocamento.
Importante destacar que estamos falando de artista de referência nacional e internacional, reconhecida como criadora do movimento brasileiro afropop, e seu papel para a Bahia e para nosso país. Este ano festejamos os 40 anos do Axé, um movimento histórico que tem em Margareth Menezes uma de suas expoentes, e que esteve presente em todos os carnavais neste longo período”.
Já o governo da Bahia informou, por meio da Superintendência de Fomento ao Turismo da Bahia (Sufotur), que não contratou a artista Margareth Menezes para o Carnaval de 2025. O Executivo estadual, porém, não considerou na resposta todos os três shows realizados pela artista com apoio do governo estadual.
“Para o Projeto ‘Trio da Cultura’, foi concedida uma cota de patrocínio, sem qualquer vínculo direto com a artista. A Sufotur ressalta, ainda, que não haveria impedimento legal para a contratação da cantora, conforme consulta realizada junto à Comissão de Ética do governo federal, já que a iniciativa não envolveria recursos públicos federais”, escreveu a administração estadual.
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