Você já ouviu falar de Martin Niemöller (1892–1984)? Ele foi uma figura complexa da Alemanha do século 20: pastor luterano, nacionalista, ex-oficial da Marinha Imperial Alemã e, mais tarde, uma das vozes cristãs mais influentes contra o nazismo. Porém, nos anos 1920 e início dos anos 1930, Niemöller era um nacionalista ferrenho e um crítico da República de Weimar. Ele via o comunismo e o liberalismo como ameaças à Alemanha tradicional, cristã e autoritária que idealizava. Assim, recebeu com simpatia a ascensão de Adolf Hitler ao poder em 1933. Como muitos outros cristãos luteranos nacionalistas, na época, ele acreditava que o novo governo restauraria a ordem e os “valores cristãos” à sociedade liberal que se consolidava na Europa ocidental.
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Importante: Niemöller não era antissemita no sentido racial-biológico típico do nazismo ortodoxo, mas como muitos luteranos tradicionais, inicialmente via o dito “problema judeu” em termos teológicos e culturais — o que infelizmente o levou a tolerar (e até colaborar com) certos aspectos do regime antissemita, pelo menos no começo.
O ponto de ruptura veio quando Hitler tentou submeter as igrejas protestantes ao controle estatal por meio da chamada “Igreja do Reich” — qualquer semelhança com a “Igreja Católica chinesa” não é mera coincidência —, que exigia submissão ao Führer e purgação de elementos “não arianos” da fé cristã. Em resposta, Niemöller ajudou a fundar em 1934 a Bekennende Kirche (Igreja Confessante), um movimento que defendia a autonomia da fé cristã frente ao Estado.
Ele então passou a denunciar publicamente a repressão do regime, sobretudo a perseguição aos judeus convertidos ao cristianismo e a destruição da liberdade religiosa. Essas críticas levaram à sua prisão em 1937 pela Gestapo. Depois de um período de isolamento, ele foi enviado para os campos de concentração de Sachsenhausen e de Dachau, onde permaneceu de 1938 até 1945. Hitler chegou a ordenar sua execução, mas a ordem não foi cumprida — o motivo exato permanece incerto em registros biográficos. Niemöller, dessa maneira, quase que milagrosamente, sobreviveu à guerra e foi libertado pelas tropas aliadas.
É dele uma das confissões/metáforas históricas mais famosas sobre a submissão e a covardia popular ante o regime nazista, texto que até hoje utilizamos em tempos sombrios como o que vivemos hoje no Brasil. A data do discurso ainda é matéria de debate entre os historiadores, não se sabe se ele escreveu no final do regime de Hitler ou depois, porém, é mais citado como sendo de 1946:
Primeiro eles vieram buscar os judeus, e eu não disse nada — porque eu não era judeu.
Depois vieram buscar os comunistas, e eu não disse nada — porque eu não era comunista.
Depois vieram buscar os sindicalistas, e eu não disse nada — porque eu não era sindicalista.
Depois vieram buscar os católicos, e eu não disse nada — porque eu era protestante.
Então vieram me buscar — e não havia mais ninguém para protestar.
Pois bem, o que tudo isso nos diz hoje? Parece que nesta semana muitos jornalistas, comentaristas e até políticos da esquerda vêm pulando fora do navio alexandrino; inúmeros jornais acordaram publicamente de seus sonos solenes, levantaram as cabeças de seus travesseiros ideológicos e viram que a censura que estava antes somente nas nucas dos conservadores e apoiadores de Bolsonaro, agora está também nas portas de suas redações. O ministro de todos nós, depois de mais uma noite delirante ante seu poder, decidiu censurar previamente o ex-presidente Jair Bolsonaro e ameaçar de punição toda a internet e todas as mídias brasileiras, caso veiculassem quaisquer imagens e declarações do conservador.
Foi preciso, meus caros, assim como na história do pastor alemão, que a censura tocasse o pátio dos doutos neutros para que eles acordassem para o óbvio; o óbvio gritante que já ocorre há ao menos 3 anos em nosso país. Foi preciso que o barro tocasse as luvas de pelica dos especialistas para notarem que, ao contrário do que imaginaram, eles já estavam no chiqueiro juntos aos porcos perseguidos. Que aquilo que eles ignoravam quando os subjugados eram os conservadores, agora aperta também os seus tornozelos e bocas. Órgãos da imprensa como Metrópoles, Folha de S.Paulo, Band, O Globo e GloboNews, por meio de comentaristas destacados e matérias editoriais, parecem ter despertado por alguns segundos de suas brisas e agendas, e notaram que a censura é de fato real e não discurso da “extrema direita”.
Disse recentemente que não há muita virtude em criticar o autoritarismo somente quando o autoritário bate à minha porta; a virtude real nesse campo está em denunciar o autoritarismo mesmo quando o alvo é meu opositor ou inimigo. Porém, é bem pior quando mesmo eu sendo um dos amputados, passo a justificar minha mutilação em nome de um bem maior, “salvar a democracia”, por exemplo. Então, ainda que tarde, ainda que não acredite que muitos desses estejam prontos para abandonar suas mesquinharias ideológicas em nome da coerência e da liberdade, sejam bem-vindos ao canto dos que realmente se importam com a democracia e a liberdade individual. Ainda que, talvez, tarde, sejam bem-vindo, sim, ao front que, ao menos, eu e tantos outros conservadores e liberais defendemos há mais de uma década.
Mesmo reconhecendo as grandes diferenças entre contextos históricos, a lógica da indiferença popular e do autoritarismo crescente diante da injustiça se repete com inquietante familiaridade. Por isso, eu só temo que…
Primeiro eles calaram e prenderam Daniel Silveira, Oswaldo Eustáquio e Monark, e eu não disse nada — porque não era um conservador.
Depois eles perseguiram mídias como a Revista Oeste e Crusoé, e eu fiquei quieto — porque não concordo com eles e nem endosso suas ideias.
Depois eles vieram e levaram manifestantes, velhas, pipoqueiros e cabeleireiras, e eu fiquei quieto — porque eu não era um deles.
Depois eles vieram e censuraram Bolsonaro, o prenderam, e eu fiquei quieto — porque não era um bolsonarista.
Então vieram e me censuraram, e instalaram um Estado de exceção — então não havia mais a quem reclamar
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