Documentos divulgados pelos jornalistas David Ágape e Eli Vieira nesta segunda-feira, 4, revelam que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a prisão de um cidadão com base em uma única publicação nas redes sociais. A postagem, feita no Instagram, exibia a mensagem: “Fazer cumprir a Constituição não é golpe”.
Segundo os registros, a publicação foi o único conteúdo utilizado como fundamento para a emissão de uma “certidão positiva” — classificação criada pela força-tarefa montada pelo próprio ministro, que passou a servir como critério decisivo para manter manifestantes presos depois dos eventos de 8 de janeiro de 2023.
O conteúdo foi enquadrado como “indício de insatisfação com os resultados das eleições de 2022”, conforme registro da equipe de triagem digital do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), então subordinada a Moraes, que acumulava a presidência da corte eleitoral e o cargo de ministro do STF.
De acordo com o documento, nenhuma outra publicação, comentário ou prova foi anexada ao processo. A certidão em questão, segundo consta nos documentos, foi utilizada para justificar a manutenção de sua prisão preventiva.
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Esse caso integra um conjunto mais amplo de ações reveladas pelos chamados “Arquivos do 8 de Janeiro”, que mostram como uma força-tarefa secreta — composta por servidores do STF e do TSE — operava por meio de grupos no WhatsApp e produzia documentos informais para classificar os detidos como “positivos” ou “negativos”.
As classificações determinavam, na prática, quem poderia ser libertado e quem deveria continuar preso, sem que os advogados de defesa tivessem acesso a esses relatórios. Conforme relatado, os critérios para considerar uma postagem como incriminatória eram amplos e variavam de caso a caso.
Moraes ampliou escopo de repressão com base em postagens vagas
O compartilhamento de frases genéricas, uso de cores da bandeira nacional, críticas ao Judiciário ou ao governo federal, e até mesmo a presença em grupos de mensagens com nomes relacionados a protestos foram usados como justificativa para classificar uma pessoa como “positiva”.
Além da ausência de fundamentação legal, juristas argumentam que tais certidões nunca foram formalmente incluídas nos autos dos processos. Mesmo assim, influenciaram diretamente as decisões sobre a liberdade dos detidos.
“Foram produzidas por um órgão subordinado ao juiz, sem acesso da defesa ou da acusação, violando o sistema acusatório e contaminando o processo pela doutrina da árvore frutífera”, afirma o advogado Ezequiel Silveira, da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav).
A triagem das redes sociais era realizada por funcionários da Assessoria Especial de Combate à Desinformação (AEED) do TSE, mesmo depois do fim do período eleitoral. O trabalho incluiu o uso do banco de dados biométrico GestBio, originalmente criado para prevenir fraudes eleitorais, mas acessado para identificar manifestantes por reconhecimento facial.
Este caso não é isolado. Documentos listam outros detidos cujas certidões positivas foram baseadas em memes, tweets antigos, petições on-line com poucos ou nenhum seguidor, ou frases interpretadas como “antidemocráticas”. Em todos os casos analisados, nenhuma pessoa classificada como positiva foi libertada.
As investigações revelam ainda que, em 2023, a chefe de gabinete de Moraes, Cristina Kusahara, escreveu em um grupo interno: “A PGR pediu a LP [liberdade provisória] deles, mas o ministro não quer soltar sem antes a gente ver nas redes se tem alguma coisa”. A frase revela que a manutenção da prisão dependia da análise das redes sociais — e não da avaliação jurídica formal.
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