O jurista Rodrigo Chemim, professor de Direito Processual Penal e doutor em Direito do Estado, explicou as ilegalidades da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao decretar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro.
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Para ele, o despacho, proferido na segunda-feira 4, tem um “caráter excepcional e criativo” e vai contra o que prevê a legislação processual penal. “A decisão desafia diversos limites normativos, funcionais e dogmáticos próprios do sistema acusatório e do princípio da legalidade estrita”, avaliou.
Em uma postagem no X, Chemin listou quatro ilegalidades:
- 1. Ausência de provocação e iniciativa judicial indevida;
- 2. Prisão domiciliar sem respaldo nas hipóteses legais;
- 3. Restrição de visitas sem previsão legal; e
- 4. Uso criticável do “poder geral de cautela”.
No primeiro caso, o professor afirmou que a decretação, substituição ou revogação de medidas cautelares exigem, necessariamente, requerimento da parte, no caso, a Procuradoria-Geral da República. Porém, a PGR não se manifestou nesse caso, ou seja, não houve pedido de “conversão” das medidas anteriores em prisão domiciliar.
“Desde a reforma de 2019, o Código de Processo Penal não mais autoriza o juiz a agir de ofício nesse contexto”, ensinou Chemim. “Ao determinar a medida de prisão domiciliar sem prévia provocação do órgão acusador, o ministro atuou contra o texto de lei.”
“Trata-se de um exercício de criatividade judicial”, afirma jurista, sobre decisão de Moraes
A segunda ilegalidade, segundo o professor, reside no fato de Moraes ter decretado prisão domiciliar em vez de prisão preventiva. Se, de fato, houvesse necessidade de prisão (solicitada pela PGR), deveria haver justificativa para uma prisão domiciliar, como idade avançada, doença grave ou responsabilidades familiares específicas.
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“Abstraindo a crítica em relação à medida cautelar de proibição de uso das redes sociais, anteriormente imposta, o correto seria, caso houvesse requerimento do Ministério Público, decretar a prisão preventiva por descumprimento de medida cautelar diversa e, caso uma das hipóteses do art. 318 do CPP estivessem presentes (não estão), autorizar a prisão domiciliar”, explicou o jurista. “Na prática, o que se verificou foi a conversão de uma cautelar previamente imposta (proibição de uso das redes sociais) em uma nova medida cautelar de restrição da liberdade (a prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica), ambas sem amparo normativo expresso.”
Chemim destaca o trecho final da decisão de Moraes, que ameaça revogar a prisão domiciliar para convertê-la em prisão preventiva, que, conforme a lei, deveria ser a primeira opção. “A estranheza é dupla: de um lado, utiliza-se o art. 312, §1º como fundamento para a própria decretação da prisão domiciliar, o que não é autorizado pelo texto legal; de outro, o mesmo dispositivo é reinstrumentalizado como ameaça de prisão preventiva futura, em caso de novo descumprimento”, analisou o jurista.
“O resultado é uma cadeia de fundamentações que se retroalimentam fora dos limites legais: o artigo que não autoriza a prisão domiciliar passa a ser utilizado para legitimá-la e, ao mesmo tempo, como ameaça de medida mais gravosa em eventual nova infração. Trata-se de um exercício de criatividade judicial que compromete a coerência dogmática e a previsibilidade das decisões cautelares no processo penal”, avaliou Rodrigo Chemim.
Restrição de visitas imposta por Moraes a Bolsonaro não tem previsão legal, explica jurista
Em seguida, o professor de Direito Processual Penal explicou que a proibição de visitas imposta por Moraes a Bolsonaro, salvo de advogados ou pessoas autorizadas pelo STF, também não está prevista na lei. “Quando muito ela lembra a incomunicabilidade prevista no art. 21 do mesmo código, cuja aplicação, ainda que admitida, dependeria de requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, e é limitada a três dias.”
O jurista lembrou que o uso dessa cautelar é contestado no meio jurídico porque “a Constituição não permite a incomunicabilidade do preso em casos de decretação de estado de defesa, tampouco o permitiria no estado de normalidade democrática”. No caso de Bolsonaro, “a medida foi decretada sem prazo definido e sem provocação do órgão competente, configurando mais um exemplo de criação judicial de medidas sem base legal, reforçando o caráter excepcional e criativo da decisão”, resumiu.
Risco de medidas não previstas em lei
Por fim, Rodrigo Chemim afirmou que Moraes fundamenta sua decisão, “ainda que de forma implícita, no chamado ‘poder geral de cautela’, instituto típico do processo civil, mas cuja transposição para o processo penal é altamente controvertida”. Nas ações civis, os juízes autorizam, contra os réus, medidas não especificamente previstas na lei, como apreensão de passaporte e CNH, por exemplo.
Entretanto, “o processo penal está submetido à legalidade estrita e à tipicidade das medidas que limitam a liberdade”, ou seja, apenas medidas especificamente previstas em lei poderiam ser aplicadas aos réus.
“A invocação genérica desse poder, ainda que tolerada pelo STF, representa um risco institucional: autoriza que juízes criminais passem a criar, sem contenção, medidas cautelares não previstas em lei, com base em avaliações subjetivas de conveniência processual”, analisou Chemim. “O STF deveria rever essa orientação e afirmar, com clareza, que o juiz penal não dispõe de um poder cautelar ilimitado e sua atuação deve obedecer aos requisitos legais e às funções institucionais de cada sujeito processual.”
O post Jurista explica ‘caráter excepcional e criativo’ da decisão de Moraes apareceu primeiro em Revista Oeste.