Por Andre Marsiglia
No dia 14 de março de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) inaugurava um dos capítulos mais conturbados de nossa recente história jurídica, o Inquérito 4.781, conhecido como “das Fake News”.
Teve por alvo inicial o artigo de um procurador da República, que dizia que o STF agia com malícia ao enviar casos da Lava Jato para a Justiça Eleitoral, que, à época, era mais branda. Um mês depois, no dia 15 de abril, uma revista chamada Crusoé publicou reportagem de capa, cujo título “O amigo do amigo de meu pai” fazia referência ao ministro Dias Toffoli, que teria assim sido nomeado em uma das delações de membros da Odebrecht, quando ainda não era ministro.
A capa foi censurada, seu fundador, o jornalista Mario Sabino, chamado a prestar depoimentos na Polícia Federal, e eu, contratado por Sabino e pela revista, tornei-me o primeiro advogado do Inquérito das Fake News. Tudo o que se reclama do STF hoje, já em 2019 existia.
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Conto isso em detalhes em meu livro Censura por toda parte: os bastidores jurídicos do Inquérito das Fake News. Não tive acesso — até hoje — à íntegra dos autos. O STF, mesmo sem competência para o caso, arvorou-se a julgá-lo. Na Polícia Federal, o delegado designado, sem conhecer os autos, fazia as perguntas orientado pelo WhatsApp, em contato com se sabe lá quem, embora, por óbvio, desconfiemos.
Censura além do Inquérito das Fake News
A censura à revista Crusoé foi revogada uma semana depois, em meio ao esclarecimento de que o documento a respeito de Toffoli era verdadeiro. Ou seja, o Inquérito das Fake News havia iniciado seu reinado censório com base em uma fake news que não era fake news.
No entanto, até o presente momento, e isso foi devidamente explicitado por mim em encontro recente que tive com com Pedro Vaca Villarreal — relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, órgão ligado à Organização dos Estados Americanos — em visita ao Brasil, tanto a revista quanto seu fundador ainda estão no inquérito. Por quê?
Por qual razão as ilegalidades que lá existiam permanecem? Qual justa causa respalda um inquérito que dura seis anos? O Direito no Brasil ainda existe depois de todo mês de março termos de comemorar um fato tão grotesco?
Leia também: “A lei morreu”, artigo de J. R. Guzzo publicado na Edição 258 da Revista Oeste
Andre Marsiglia é advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão. Professor de Direito Constitucional e doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista do Instituto Millenium
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